18 setembro 2016

Semana Farroupilha, Bairrismo e Atraso

A seguir, republico dois textos, apropriados, creio, ao momento. O primeiro foi escrito e publicado aqui no blog em 12 de setembro de 2013. O segundo, em 23 de fevereiro deste ano.  Apesar de as postagens estarem distantes no tempo, trazem uma relação de complementaridade.

Texto 1 (postagem original, aqui)

 - A Semana Farroupilha transformou-se em um desfile de agroboyzinhos nas camionetinhas do papai, enquanto gaúchos de verdade, os peões que trabalham duro nas estâncias e cultivam as verdadeiras tradições gaúchas (não para fazer bonito ou para aparecer, mas porque isso é o natural deles) não podem comprar um par de botas. Muito menos desfilar com um cavalo. É como retrata Cyro Martins na sua “Trilogia do Gaúcho a Pé.”

- Grande parte dos campos dos grandes estancieiros gaúchos é campo que foi roubado na época em que as fronteiras das terras não eram cercadas. É como diz o personagem Juvenal em “O Tempo e O Vento” do Érico Veríssimo, referindo-se ao estancieiro Amaral: “Todo mundo sabe que metade dos campos desse velho é tudo campo roubado!”

- Os agroboyzinhos gostam também de andar por aí enchendo a pança de cerveja e gritando o “Grito do Sapucai”, que é herança de nossos índios guerreiros. Mas os índios ou foram massacrados, ou estão em estado miserável em suas terras devastadas. De vez em quando, o governo tem a “bondade” de dar a eles um cantinho das terras de que eram donos. E os “gaúchos” pouco se importam. Melhor, mais “coisa de macho”, é se exibir em rodeiozinhos para algumas prendinhas chininhas.

- E já aconteceu de alguns “farroupilhas” bem pilchados “apreciarem” matar cavalos esgotados desfilando com bandeiras sob o sol do litoral pra mostrarem que são homens.

- E os nossos “pampeiros”, que dizem amar o pampa, amar a terra, são os mesmos que estão terminando com ela cobrindo tudo de soja, pinus e o diabo. E amando profundamente (as moedas da) sua terra, acabam com os rios, desviam água para plantações de arroz, infestam campos com pesticidas, massacram nossa fauna, causam erosões, assoreamentos, desertificação. E depois vão dançar o bugio em algum campo no qual exterminaram os bugios.

Texto 2 (postagem original, aqui)

Desde janeiro deste ano, estou morando em Santa Maria. Percebo como os santa-marienses são menos bairristas que os santiaguenses. Não que não tivesse percebido o bairrismo santiaguense antes. É algo que salta aos olhos. Mas agora resolvi escrever um breve comentário a respeito. 

A verdade é que Santiago é uma das cidades mais bairristas do RS. Os gaúchos em geral são bairristas. Para a grande maioria dos santiaguenses, tudo que é de Santiago, ou está em Santiago, ou é feito em Santiago, ou vem de Santiago, enfim, é o melhor que há. É claro que algumas vezes pode ser assim mesmo. Mas também é claro que muitas vezes não é. Mesmo assim, o bairrismo santiaguense não deixa ver, ou, se deixa, não quer admitir.

Considero o bairrismo uma qualidade mais negativa do que positiva. Não sou bairrista. Já fui bairrista pelo RS em dias passados. Deixei de ser. Não penso, como muitas pessoas, que bairrismo é necessariamente uma demonstração de amor pela terra. É, antes, uma ausência de senso crítico, uma cegueira, uma espécie de fanatismo, enfim, uma burrice.

O bairrista acaba por não ver ou não querer ver os defeitos da sua cidade, estado, região, enfim. Consiste num tipo de patriotismo utópico e estúpido localizado. Quem não vê os defeitos, ou se faz que não vê, não pode ou não quer corrigi-los. Se não os corrige, não avança, não sai do atraso, não percebe em que ponto as coisas podem ser melhoradas, não identifica onde estão os erros. E, se tudo é bom, se tudo está bem, para quê mudar? Uma pessoa que "se acha" tanto, que não percebe seus próprios defeitos, acaba, um dia, caindo, sendo vítima desses mesmos defeitos. 

O RS, os gaúchos, sofrem de um bairrismo crônico há décadas. E há décadas o RS vive uma inegável decadência sócio-econômico. Estou certo de que as duas coisas estão relacionadas. Falta autocrítica aos gaúchos, como falta aos santiaguenses. E, quando alguém, no meio de bairristas, realiza essa crítica, a percepção do que está errado, é mal visto, é criticado por querer mudanças, é, até mesmo, odiado.  Bairrismo é atraso.



15 setembro 2016

Virá a Guerra

quem tem o poder
nunca o quer perder
pode perder tudo o que pode
pode foder com todos que sofrem
mais jamais poderá não poder

quem tem o poder
perde honra perde sonho perde vida
perde o vasto perde o astro perde a alma
só não pode perder
o poder de comprar as almas

quem tem o poder
sabe que não tem nada
por isso a tudo quer
por isso a tudo mata:
quem tem o poder
só pode um único fim:
destruir a toda Terra
por isso é que antes de Marte
virá a Guerra




13 setembro 2016

Não Voto em Filho da Puta

O poema que segue não serve para todos os candidatos. Há, é claro, os candidatos decentes e íntegros. Mas para os que servem, e não são poucos, deixo aquele meu velho poema, agora reelaborado:
prezado
senhor candidato:
com todo respeito
vou pegar o meu voto
e enfiar no teu rabo
rico reto
de rato

não me venhas
com apertadinhas de mão
 tapinhas nos ombros
para futuras
mãozinhas nos bolsos...

no ranço do teu sorrisinho
de boca amarela e fingida
deixo o voto do meu catarro
mijo ressaca e sarros
e tuas alegrezinhas
felizinhas
musiquinhas
retardadas
enfia
nos teus orifícios propícios
queimados
de cagar churrascos

queres
passeatas
carreatas
mamatas?

conchavos
conluios
canalhas?

tratados
tramoias
trapaças?

com o teu santinho
apago meu cigarro vadio
ah, e senhor candidato
nobremente
vá à puta que pariu!

11 setembro 2016

O que é Literatura?*

Literatura
é saber a arte forte
e o homem fraco
e ser desde beijo
dado em ambos
os lábios
ou o bater em político
com a ponta
de aço
de um taco
ou de um troco

pode ser tiro
soco
traço
de bala
buraco
ou um brinde
e um acinte
de pé
junto a Baco

um dia abraço
um dia laço
um frasco
longínquo
no espaço
talvez tristeza
desprezo
cansaço
sem nenhuma
(anos) luz acesa
pela vida em cacos

pode ser sublime
ou crime
volvido em névoa
tabaco
ou ser tragédia
ou tédio
trago
lago
em honra ao vago

pode ser um bolso
vazio
as ruínas
de um casaco
ou droga
coca
sexo
mesmo
só tendo a noite
mesma
nem tendo nexo

pode ser chute
na bunda
de algum ricaço
palhaço
velhaco
pode ser sangue
sopro
vento
(a)tormentado

pode ser música
cósmico
ou túmulo
ou tóxico
pode ser alto
ou ainda mais baixo
desde sorriso
até risada
de algum macaco

em Fim
Literatura
pode ser tudo
só não pode
puxar o saco

*Poema reelaborado e republicado


09 setembro 2016

Nós, os Deslivres

I - eu, um deslivre descadente
impergunto:
liberdade é tudo viver
sem nada ter que sentir
ou é a tudo sentir
sem ter que a tudo viver?

II
– o processo da civilização
é um processo de deslibertamento:
são os seres cada vez menos livres
no mundo natural desnaturalizado
e o os homens cada vez mais deslivres
no mundo onde devem
poder cada vez menos
e fazer cada vez mais
para terem a sensação virtual
de que seriam livres
se não fossem obrigados
a tantas coisas
com sua liberdade


                

07 setembro 2016

"O Processo" de Kafka e a Justiça Brasileira

O genial Franz Kafka, o Rei do Absurdo, nunca esteve no Brasil, mas o conhecia melhor do que muitos brasileiros. Os absurdos intencionais de sua obra parecem ocorrer de forma natural em terras tupiniquins. Ainda mais quando o quesito é "Justiça". Comparem o trecho a seguir, retirado do seu romance "O Processo, com aquilo que se convencionou chamar de "Justiça Brasileira".

"Não há dúvida de que por trás de todas as ações deste tribunal, e, no caso da minha prisão e da diligência atual, esconde-se uma grande organização. Uma organização que não só lida com ter guardas subornáveis e tolos inspetores e juízes de instrução, que, no melhor dos casos, são discretos, mas também detém  juízes de altos cargos com um incontável e indispensável séquito de servidores, escrivães, policiais e outros ajudantes, talvez até carrascos, a palavra não me intimida. E qual é o significado desta organização, meus senhores? Consiste em prender pessoas inocentes, iniciando contra elas processos tolos e inúteis, como no meu caso. Como poderia toda essa insânia evitar a pior das corrupções burocráticas? "


Franz Kafka

05 setembro 2016

Brasil, o País do Óbvio e do Absurdo

Era óbvio que Dilma seria afastada em definitivo da presidência: basta verificar quem forma o absurdo Senado (e o absurdo Congresso) do Brasil. É absurdo que a totalidade da imprensa internacional esteja vendo o que só a brasileira não vê: que o golpe é óbvio. Tão óbvio, que houve uma confissão de que o impeachment foi golpe. Chegou a ser absurdo. Ainda houve os que acreditaram (ou se fizeram acreditar) que Temer cometeria o absurdo (logo ele e o PMDB, que tanto anelaram o poder) de convocar novas eleições. Óbvio que não! A grande mídia, obviamente, acenou com essa possibilidade de novas eleições, depois mostrou rapidamente a confissão do golpe e, enfim, se fez de esquecida, é óbvio, afinal, ela sairá lucrando absurdos com o governo Temer. Governo este que sempre teve um objetivo óbvio: tirar ainda mais do povo para dar às elites. Por elites se compreende, obviamente, os grandes empresários e os latifundiários (e CIA ilimitada), responsáveis, em grande parte, por manter a absurda desigualdade social que impera no Brasil há séculos. De forma que todas as medidas absurdas tomadas pelo governo Temer são compreensíveis: é o óbvio programa do PMDB, já demonstrado de forma tão óbvia e descarada, pelo governo Sartori no RS, o mais absurdo dos governos gaúchos. Porém é óbvio que ambos os governos, Temer e Sartori, têm defensores. Todos aqueles que defendem um governo ditatorial e conservador (por conservador, se entende quem não quer mudanças no absurdo status quo, benéfico a eles, obviamente), ou defendem a própria ditadura militar com todos os seus absurdos, é óbvio que irão defender também estes governos que aí estão. Mas, como última obviedade, irão dizer que o que escrevo é um absurdo. Por isso, encerro aqui este meu texto óbvio.

03 setembro 2016

Como ganhar Dinheiro com a Palavra*

I – há três maneiras
de se ganhar dinheiro
com a palavra escrita:
- conte sobre fofocas
- conte sobre acidentes e tragédias
- escreva autoajuda
(que é tudo a mesma coisa:
em qualquer dos casos
está se querendo dizer
que a sua vida não é tão fodida
quanto você pensa)

II – há três maneiras
de se ganhar dinheiro
com a palavra falada:
- seja um homem público
- seja um pastor
- dê palestras motivacionais
(que é tudo a mesma coisa:
em qualquer dos casos
se vive de mentiras)

III – mas só há uma forma
de se ganhar dinheiro
escrevendo poesia:
é, enquanto se escreve,
jogar e acertar
na loteria
(que é tudo a mesma coisa:
em qualquer dos casos
nunca se ganha nada)

*Poema reelaborado e republicado.

01 setembro 2016

Manchetes (anti)Poéticas para os Jornais Contemporâneos (ou Contemporários)

I – Extra! Um modelo de carro a mais
e uma espécie de bicho a menos

II – Nova descoberta da ciência
causa nova encoberta da consciência

III – Tecnologias de última geração
condenam espécies à sua última geração

IV – Robôs quase humanos
são desenvolvidos para tomar o lugar
de humanos quase robôs
e vice-versa

V – Seção Autoajuda:
para conhecer o valor do Bem
possua um bem de Valor

VI – O Ministério da Saúde adverte:
quem pensa não é feliz.
Mas se for pensar, não escreva.
Se for escrever, não pense.



30 agosto 2016

Ninguém é Importante

todo mundo quer ser importante
no mundo...
mas num mundo
que não vale a pena
ser importante
é ter a alma pequena

e ainda que seja
no fundo
ninguém é importante
porque se passa:
ninguém é mais que traço
ou traça

a não ser que se seja gênio
mas gênios são do passado,
que não há mais nada
que se possa ser mudado...

as pessoas querem ser importantes...
se querem é porque não serão:
querer é não ter ser
e só o Ser permanece

gênio é quem tem o ser
sem ter que querer:
é o que não (a)parecem

as pessoas querem ser importantes
só porque querem alguns alguéns
que as “amem”

mas...

amém


28 agosto 2016

"Eu insulto o burguês!"


Em um país governado, no momento, por uma plutocracia/cleptocracia, onde a totalidade das medidas tomadas vão contra os interesses da população em geral, em que elites toscas e reacionárias desejam o retrocesso para manter ou reativar os seus privilégios, onde capitalistas inescrupulosos não medem esforços para aniquilar os direitos trabalhistas e onde latifundiários mais inescrupulosos ainda seguem depredando a flora e a fauna brasileiras e abarrotando nossas terras e águas com seus agrotóxicos... o poema do grande Mário de Andrade, "Ode ao Burguês", escrito há quase um século, é mais válido do que nunca:

Ode ao Burguês (trechos)
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel, 
o burguês-burguês! 
A digestão bem-feita de São Paulo! 
O homem-curva! o homem-nádegas! 
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, 
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas! 
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros! 
que vivem dentro de muros sem pulos; 
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos 
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês 
e tocam os "Printemps" com as unhas!

Morte à gordura! 
Morte às adiposidades cerebrais! 
Morte ao burguês-mensal! 
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi! 
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano! 
"Ai, filha, que te darei pelos teus anos? 
Um colar... Conto e quinhentos!!! 
Mas nós morremos de fome!

Mário de Andrade

26 agosto 2016

O Momento Crítico

um dia tudo que vive
será cíclico
um dia tudo que é calma
será sísmico
um dia tudo que é nada
será épico

um dia tudo que é seca
será cáustico
um dia tudo que é sangue
será crístico
um dia tudo que é morte
será mítico

um dia tudo que cala
será grítico
um dia tudo que grita
será trágico
um dia tudo que morre
será cíclico



24 agosto 2016

do Teor Alcoólico

I- Chopin 
vê com os ouvidos
e faz-nos ver coisas que há
naquilo que não vemos
e quando vem-nos
só na visão
aquilo que vemos
vemos que não há
aquilo que  há
quando vemos quando ouvimos

II - a piadinha infame
de Chopin com chopp
é fraca, nada a ver.
teria a ver
se fosse com ab-sinto

21 agosto 2016

Os Três Podreres

nestes dias há
no Brasil três
podreres:

o pudê exe-CU-tivo
o purê legelatino
e o phoder judifalho



19 agosto 2016

Duas Injustiças nos jogos Olímpicos

Quando se trata de Olimpíadas, e acompanhei todas desde 1988, algo sempre me pareceu, de algum modo, injusto: as formas de premiação e a contabilização das medalhas. 

No caso das premiações, o que julgo como injusto é que as modalidades individuais têm o mesmo peso das de duplas e das coletivas. Isso parece significar que o esforço de um só ser humano tem o mesmo valor do de vários. Por outro lado, quem disputa modalidades individuais tem a possibilidade de ganhar medalhas em diversas variações de um mesmo esporte, o que não ocorre nos esportes coletivos. Um exemplo: o norte-americano Michael Phelps é um fenômeno da natação. Arrebatou dezenas de medalhas nas últimas olimpíadas, tantas, que SÓ ele possui mais medalhas que muitos países em TODA a história das Olimpíadas. Um deles é o próprio Brasil. Chega a ser vergonhoso. 

Mas no fato está embutida, na minha opinião, uma injustiça. Ele é um nadador excepcional. E a natação tem muitas modalidades. Phelps, naturalmente, é fora de série em quase todas elas. Acaba ganhando medalhas em várias modalidades de um mesmo esporte. Mas e no vôlei, por exemplo? Por melhores que sejam os jogadores de um time, eles nunca vão contabilizar mais que uma medalha no seu esporte. Seria o caso de contabilizar as medalhas de todos os jogadores da seleção vencedora. Não sei, talvez seja exagero, mas também é exagero que um só nadador tenha a possibilidade de contabilizar 3 medalhas, por exemplo, nos 50, nos 100 e nos 200m de um só esporte com várias modalidades de poucas diferenças, como é a natação. 

Outro fato que me parece injusto é  a forma como se contabilizam as medalhas. Por exemplo: nas Olimpíadas de Sydney, na Austrália, em 2000, o Brasil não conquistou nenhuma medalha de ouro, mas 6 de prata e 6 de bronze. No quadro de medalhas acabou atrás de Moçambique e Colômbia, que conquistaram apenas uma de ouro cada. Isso porque não importa quantas medalhas de prata ou bronze um país conquiste, uma só de ouro valerá mais que todas as outras. É ostensível que algo aí não é totalmente justo. 

Mas dificilmente haverá um reavaliação dessas questões, pelo menos não enquanto os EUA estiverem sempre na ponta do quadro de medalhas.  

17 agosto 2016

Ave Caesar Invintus

és mortto o silêncio in darmores
e os olhoos ocasam as tormares
nem céu mais lhe ditas alfontes
e os sonhos são finis e sânguines:
aos nuncas te iguais me encontrares...

mas

se destem os rithus del montes
se álcoois os teus lábios altares
no quando eu ser não-existires
improvo que sou-me no dantes:
meu rei torno é questão de acabes

15 agosto 2016

Peste Negra Mecânica

I – da Lógica Mecanicista

as pessoas
com mais nada se chocam.
não por estarem conscientes
mas porque já foram chocadas
pelas galinhas
da produção em série

II – da Peste dos Nossos Dias

o rodar derradeiro
do radar da Morte
a render seres humanos
e a rondar a humanidade

III – Só um Risco

as formas de vida
em risco
no risco ascendente dos lucros:
e em breve na vida
um risco



13 agosto 2016

Prepare-se

o homem não vive:
só se prepara.
nasce
e se prepara para crescer
depois é estudar para se preparar
e se preparar para o que vem depois

o depois
é se preparar para trabalhar
que o trabalho é uma preparação
para outras coisas mais
que ou são nada
ou quando vêm não bastam
e então se prepara para o que falta
que nunca deixa de faltar

e por fim se prepara para
quando se ficar velho
e...

a Morte

pois ao fim de tudo
nunca estamos preparados





11 agosto 2016

de melhor em mim?

o que não fiz
é que é meu autêntico fim

sou-me
um inaudito
nendito

não sei de mim
mais que o poema sabe de si
o melhor que faço
é o que escuto
e quando digo que não estou-me
é nada
em absoluto

só escrevo
porque escorre:
o melhor que (des)faço
é o meu porre


08 agosto 2016

Indecência

ser feliz...
como alguém pode ser feliz?
ou julgar-se ser feliz
(que, em tudo, é mais fácil julgar-se
do que ser)
enquanto crianças e suas inocências
agonizam de miséria e nada?
enquanto animais e suas inocências
se extinguem em crueldade e dor?

somente quem não sente
(que sentir é perceber)
não vê também sua culpa
ao passar satisfeito
pela família que no lixo
disputa os nojos e os podres
com as moscas e as baratas

somente quem não sente
(que raros sabem sentir)
não capta o horror
que é sorrir pelas estradas
enquanto passamos rápidos absortos
pelos animais atropelados
estrebuchados (des)encarneados
com a sagrada intimidade de suas vísceras
de sua carne de seu sangue
exposta
à indecência da alegria humana





06 agosto 2016

As Olimpíadas e Vinicius de Moraes


Estamos em época de Olimpíadas. E no Brasil. Independente se éramos contra ou favor da sua realização em nosso país, o evento está acontecendo, e, como brasileiros, é momento de torcer para que as Olimpíadas do Brasil sejam grandes, e que nossos atletas tenham o melhor desempenho da história. Não assisti à abertura, mas segundo a imprensa, inclusive a estrangeira, ela foi belíssima, unindo simplicidade, bom gosto e criatividade. No entanto, li no "Blog do Barão", de Zatonio Lahud, que, no momento da música "Garota de Ipanema", apenas o autor da música, Tom Jobim, foi homenageado. Mas e o autor da letra? Vinicius de Moraes, um de nossos maiores poetas modernistas, também merecia sua homenagem. Por que nossos escritores são esquecidos?


Pensando nisso, selecionei trechos do poema "Pátria Minha" do Vinicius. Acredito que seja bastante adequado ao momento:

Pátria Minha (Trechos) Vinicius de Moraes

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

04 agosto 2016

Ninguém melhora Ninguém*

I - não escrevo
para que os outros me leiam
me entendam
me decifrem

escrevo
para eu fazê-lo
com os outros

II - não escrevo
para melhorar ninguém

(só o si
melhora a si
quando cai em si)

escrevo a meu ser
que saindo da miséria que sou
se vá além do que sei

III - ser poeta
é perceber
que não se percebe
é dar-se conta
de que não se dão conta

*Poema reelaborado e republicado.


02 agosto 2016

Robótico e Espacial

no mundo atual
(robótico e espacial)
não há espaço
para o desespaço
do mundo interior

por isso
não mais falo
do que sinto:
a qual alguém pode interessar
o que um outro sente
se o alguém nem sente
por si mesmo
nem quer saber
se o outro sente
e nem que outro é o outro?

só há sentido no ser
do sentimento expresso
quando o outro
o reflete e o encontra
expresso no seu ser
e então se conhece
do que de si mal sabia

mas ninguém
nem se encontra no seu ser
nem reflete por si mesmo
nem se expressa o que não sente
e por Fim
nem mal sabe de si
nem sentido há algum
em se saber o que nem há