31 outubro 2009

Sem Termos...

façamos um pacto
nos seguintes termos:

amemos sem termos
morrido
morramos sem termos
amado
e só por termos amado morramos

ao amor não há
adequados termos:
alto cardíaco pacto
de infinito amor:
impossível matemática
sem
termos...

30 outubro 2009

Otacílio e Madalena ou A Morte do Pampa (As Almas do Fantástico na História do RS - História 3ª) - Parte Final


Mas o que mais me impressionou foi quando entrei no quarto do casal. Ali estava a cama embolorada e úmida, carcomida por ratos, traças e outros animais que ali fizeram seus ninhos em meio a cobertores, lençóis, pelegos e travesseiros esquecidos. Fiquei imaginando os anos felizes em que ali Otacílio e Madalena viveram. Curiosamente, naquele ambiente ancestral, denso, insalubre, carregado, acabei perdendo todo o medo e receio que inicialmente sentira. Sentei-me ali no quarto, em uma cadeira que parecia ainda inteira o suficiente para suportar meu peso e refleti durante horas sobre aqueles seres fantasmais, sobre suas existências antes e depois da morte.

Em um momento, não sei por que motivo, talvez hipnotizado por minhas divagações absurdas e pelo clima sobrenatural que sombriamente me seduzia, tive a coragem de desligar a lanterna e mergulhar na mais tenebrosa escuridão. Nesse instante, meus pensamentos calaram-se, e o silêncio tumular invadiu minha alma de forma arrebatadora. Uma profunda tensão naquelas atmosferas tristes e envelhecidas pesou-me nos ombros...

Foi então que julguei ter escutado passos, e um sussurro feminino soou nos meus ouvidos cava e profundamente chamando meu nome. Julguei sentir o sopro de uma respiração nos meus cabelos. Alarmado, rapidamente liguei a lanterna. Mais uma vez, não vi nada. Talvez tenha imaginado o que ouvi... Contudo, decidi então manter a lanterna acesa até o amanhecer, aquele clima de tensão não era suportável sem algum tipo de luminosidade. E eu ali permaneci sentado no fúnebre quarto, divagando sobre assuntos que dificilmente ocorrem às pessoas comuns.

Refleti, por exemplo, em por que os fantasmas do casal deixaram de ser vistos há quase 30 anos, e por qual motivo aqueles que afirmavam tê-los presenciados eram, quase sempre, pessoas simples, camponeses sem nenhuma formação intelectual, formados apenas pela vida natural em seu ambiente destituído das convenções sociais. Pensei nisso, porque na década de 60, atraídos pelos muitos relatos, alguns estudiosos de assuntos paranormais dirigiram-se ao local para tentar avistar os espíritos, não obtendo, no entanto, permissão do antigo fazendeiro para entrar na casa. E tais estudiosos não viram ou pressentiram absolutamente nada no campo.

Cheguei à conclusão, dessa forma, que a capacidade de contemplar tais fenômenos é algo exclusivo do coração, da intuição, nada tem a ver com o acúmulo de teorias e de conhecimentos mecânicos na mente. Pelo contrário, quanto mais intelectualizado for o indivíduo, mais ele terá a tendência de raciocinar e tentar conceituar esses fatos, criando barreiras psicológicas que impedem que possa naturalmente presenciá-los.

Porém, lamentavelmente, a tendência dos dias atuais é justamente essa intelectualização estéril de todos os fenômenos que a ciência não explica, como se todas as coisas do universo pudessem ser analisadas, medidas, quantificadas, esquecendo-se, desprezando-se os acontecimentos espirituais, além do raciocínio lógico. Por isso, hoje os sabichões do intelecto preferem ridicularizar tais histórias, afirmar desdenhosamente que são “contos de nossos avós”, como se pelo fato de essas pessoas não serem intelectuais, não podem então saber de nada, não merecem crédito.

E assim, esses senhores intelectuais foram aos poucos assassinando as almas da natureza, alastrando o vírus do ceticismo cego e estéril. Quando falo em almas, não me refiro somente a assombrações, mas às almas dos campos, das matas, dos rios, dos ares, das plantas, dos animais. Para esses senhores, nada possui alma, tudo é mecânico e material tão somente, tudo pode ser conceituado dentro do limitados padrões mentais, não há mistério algum por trás das coisas.

Por tais motivos, pensei, hoje só raras vezes se presenciam os fenômenos de aparições de almas, não só de pessoas falecidas, mas também dos elementais da natureza. Os homens bloquearam seus sentidos superiores devido ao acúmulo excessivo de teorias mecanicistas e agora duvidam e riem-se de tudo que não for “cientificamente” comprovado, como se ciência fosse sinônimo de mental.

Os homens afogaram seus corações no veneno das teorias intelectuais, e o resultado é que as manifestações da Alma do Mundo abandonam agora os homens. E assim é com o pampa gaúcho. O pampa morre, porque o homem mata sua alma. Toda a destruição ambiental que flagela o planeta é fruto desse desprezo que a humanidade dispensa às almas da natureza. É como se para a humanidade nada possuísse alma, nem mesmo ela. Então, se nada possui alma, o planeta também não possui. E o planeta morre, e com ele o pampa... Viciamo-nos a pensar em todo e qualquer ser vivo como se fosse uma máquina, inclusive o homem. Se nós, seres vivos, fôssemos máquinas, depois de mortos, bastaria “reparar o defeito” do organismo e religar à fonte de energia, que voltaríamos a viver. Assim podemos fazer com um carro ou com um computador, mas não com um ser vivo. Não podemos pôr de volta a vida.

Afirmo que todas essas assombrações e aparições misteriosas que tanto povoavam nossos campos também fazem parte da alma do pampa. E o desaparecimento desses fantasmas é outro sintoma de sua morte...

E nesses assuntos que ninguém mais pensa, ou pensa apenas para desprezá-los, eu pensava quando fui despertado pelo cantar dos pássaros. Já principiava a alvorada, embora o sol ainda não houvesse saído. Levantei-me da cadeira, despedi-me do quarto espectral e dirigi-me à porta. Como já iniciava a clarear o dia, desliguei a lanterna. E ao abrir a porta, assustei-me com o disparar de um cavalo mouro que partia rapidamente ao capão de mata. Havia um casal sobre ele...

29 outubro 2009

Otacílio e Madalena ou A Morte do Pampa (As Almas do Fantástico na História do RS - História 3ª)


Em uma das muitas estradas que cortam os vastos campos do interior de Santiago, durante o período de 1950 a 1981, os viajantes e moradores da região do vale do rio Itacurubi relatavam com alguma frequência a visão de um fantasma que surgia à beira de um capão de mata que circundava uma coxilha. Tratava-se de um gaúcho vestindo um pala cinzento, lenço vermelho, chapéu e botas pretas, aparentando ter em torno de 50 anos de idade. Geralmente, o fantasma era visto à beira da estrada, em pé, observando algum ponto indefinido à sua frente. Mas em algumas poucas vezes, via-se ele atravessando a estrada carregando uma mulher aparentemente adormecida ou morta em seus braços, usando um vestido branco. Alguns ainda afirmavam já ter avistado o fantasma em um belo cavalo mouro, com a mulher em sua garupa. O gaúcho era visto quase sempre às primeiras horas da noite, ou logo antes da saída do sol, ou seja, sempre durante os crepúsculos.

Segundo os moradores da região, as aparições tratavam-se do fantasma de Otacílio Vicente Marques, e a mulher que eventualmente o acompanhava seria sua esposa Madalena Marques. O casal viveu em uma pequena e rústica casa de alvenaria, cuja tapera ainda existe no local, durante a década de 40. Otacílio vivia do trabalho nas lavouras de sua pequena propriedade e criava algumas poucas cabeças de gado. De acordo com os moradores mais antigos do vale do Itacurubi, o casal levava uma vida tranqüila e modesta. Não possuíam filhos nem parentes próximos. Raramente recebiam a visita de alguns tios e primos relativamente distantes. Aparentavam viver felizes tendo apenas um ao outro, e a solidão da vida no campo não os molestava.

No entanto, o ano de 1949 surgiu com uma terrível tragédia para o casal. No mês de janeiro, Madalena nadava em um açude da propriedade, enquanto Otacílio buscava gravetos na mata. Foi quando este ouviu os gritos de Madalena que, com cãibras em uma das pernas, afogava-se nas águas profundas do açude.

Otacílio mal teve tempo de pular na água, já era tarde, sua esposa estava morta. Carregou-a nos braços de volta para casa e durante toda a noite chorou em desespero ao lado de seu corpo. No dia seguinte, nas primeiras horas da manhã, enterrou-a a cerca de 1 km da residência, ao pé de uma coxilha, sob a sombra de um imenso angico. Otacílio não suportou a dor da perda da esposa. Nas semanas subseqüentes viveu em uma profunda depressão, deixando de trabalhar e até mesmo de se alimentar. Foi encontrado morto em sua cama cerca de cinco meses depois da morte de Madalena. Foi enterrado ao lado de sua amada, sob a sombra serena do angico. Ela morrera com 39 anos, ele com 52.

Um tio idoso de Otacílio ficou como responsável pela propriedade e decidiu vendê-la a um fazendeiro das vizinhanças. Este optou por preservar a pequena residência com toda sua mobília, em lembrança e respeito à memória do casal.

Foi no ano seguinte, 1950, que o fantasma de Otacílio foi visto pela primeira vez no local anteriormente descrito. As aparições tornaram-se cada vez mais freqüentes durante a década de 50, a ponto de os moradores da região reunirem-se para a realização de orações às almas dos mortos. Durante os anos 60, as visões permaneceram constantes, contudo, a partir de 1970 principiaram a reduzir-se gradativamente, até que em 1981 ocorreu o último relato de alguém ter vislumbrado os fantasmas de Otacílio e Madalena.

Porém, devo dizer que fervilhava em mim o intenso desejo de contemplar aquelas almas... Tanto que em determinado fim-de-semana, decidi passar toda uma noite na tapera de Otacílio, na esperança de presenciar as aparições do casal... Facilmente obtive permissão do agora dono das terras, filho do antigo fazendeiro para quem o tio de Otacílio vendera a propriedade, para pernoitar na pequena casa já em semi-ruínas.

Cheguei àquelas terras misteriosas ainda durante a tarde. Permaneci próximo ao capão de mata à beira da estrada que ficava a algumas dezenas de metros da propriedade. No entanto, as horas passavam-se, a noite sombria de outono esfriava, e eu já não suportava permanecer imóvel em meu posto de observação: não surgira absolutamente nada.

Decidi caminhar até o sepulcro do casal, situado a pouco mais de 1 km de onde me encontrava. Conforme me aproximava, percebi que o clima psíquico tornava-se mais denso, concentrado, eu poderia jurar que alguma presença ignota influenciava nas sensações estranhas que me invadiam, porém não pude avistar os fantasmas. Entretanto, diferentemente do que se poderia pensar, não senti medo, não era algo assustador. Pelo contrário, sentia-me bem estando perto da sepultura do casal, apenas duas cruzes de ferro já enferrujado cravadas no chão. A brisa fria que soprava na coxilha era-me salutar, e uma profunda serenidade advinha daquele vetusto e venerável angico que ali se erguia como um solene guardião àqueles dois amantes.

Permaneci ali por algumas horas, passava já da meia-noite, e embora fosse uma noite fria e sem lua, a madrugada principiava bastante agradável, ao menos para mim. Porém, como não via nada de sobrenatural, conquanto minha intuição captasse algo de estranho, resolvi voltar para a residência e, pela primeira vez, entrar naquela casa sombria e inquietante.

Trazia comigo, é claro, uma potente lanterna, e detive-me quando dirigi seu facho à porta de madeira já semi-apodrecida que se encontrava entreaberta. Receei por um momento antes de entrar. Nunca soube de alguém que tivesse entrado na casa após a morte de Otacílio, com exceção de seu tio e dos vizinhos que foram velar o corpo. Nem mesmo o fazendeiro agora proprietário da residência o fizera. Confessou-me que nunca vira a assombração e que não acreditava muito em visões de espíritos, embora soubesse de vários relatos a respeito, inclusive o de seu falecido pai. Disse-me que seu pai nunca quisera entrar na casa, com receio de ser amaldiçoado pelo fantasma de Otacílio, e por isso também jamais pensara em destruí-la. Mas ele, o filho, afirmou que mal lembrava da casa e dos espíritos, que abandonara o local à ação do tempo, mais preocupado com seus outros campos. Pretendia, inclusive, ordenar a destruição da tapera e ali construir um galpão para armazenar parte da produção de suas lavouras.

Pensei exatamente nesse estado de abandono quando entrei na casa. Os móveis ainda ali permaneciam, aparentemente nunca foram alterados de lugar. Porém, apresentavam sinais de apodrecimento, o ambiente aparentava ser bastante úmido, e vários buracos no teto permitiam entreverem-se as estrelas. O cheiro de mofo e bolor era quase insuportável, bem como a poeira que se acumulava em todos os cantos, em todos os móveis. Alguns morcegos revoaram quando entrei, aranhas e suas teias estavam em todos os lugares, e alguns animais pequenos rapidamente moveram-se por baixo das mesas e cadeiras.

Direcionei o facho da lanterna para uma janela ao assustar-me com o som do adejo de asas de alguma grande ave. Era uma coruja-de-orelhas que voava pela janela parcialmente aberta.

O clima daquela casa era verdadeiramente tétrico e nada acolhedor. Suas paredes sujas e manchadas, algumas panelas e chaleiras muito antigas sobre o fogão à lenha, pelegos imundos jogados aos cantos, cadeiras de palha que apodreciam, armários caindo aos pedaços, cuias, copos e canecas embolorados, enfim, tudo o que ali eu via parecia ter surgido de dentro do próprio túmulo do casal, tamanha era a sensação de esquecimento funerário que me transmitia. Sentia ter penetrado em um local onde o tempo parou e que somente a morte e o mistério habitavam agora.

(Amanhã, a parte final)

28 outubro 2009

Suspiro de Lobo

às vezes
fico pensando
no que hei de pensar
e tentando achar
o que hei de fazer
mas por que
hei de pensar e fazer alguma coisa?

quem disse
que pensar é pensar
e fazer é fazer?
o melhor pensamento
é aquele que lua
sem ter que pensá-lo luar
a melhor das ações
é aquela que sol
sem ter que fazê-la solar

então deixo
que minha obra viva
quando há de viver
e durma
quando há de dormir
o mais é nada:

não desejo além
que minha obra seja
como um suspiro de lobo-guará
se ocultando na mata...

26 outubro 2009

“Fui tudo. Nada vale a pena.” Fernando Pessoa

“Tudo vale a pena se a alma não é pequena”- Fernando Pessoa.

Esses dois versos são aparentemente de uma total contradição. No entanto, foi o mesmo poeta que escreveu. O grande Fernando Pessoa. Maior poeta da língua portuguesa e maior poeta do século XX em todo o mundo, na minha opinião. Porém, as pessoas preferem citar somente o verso mais otimista dele. Por que também não citar o mais pessimista, o mais negro? Fernando Pessoa era assim: coerentemente contraditório. Era muitos em um só. Que o digam seus geniais heterônimos. Afinal, o ser humano é contraditório por natureza. Quem pretende ser sempre coerente em seus atos, sentimentos e pensamentos, mente para si mesmo.

Mas como eu dizia, as pessoas deveriam conhecer mais, e citar mais, e analisar mais o lado escuro, o lado pessimista, desiludido, cruel, indiferente e doentio de Fernando Pessoa. Aquela face de Pessoa que reflete toda a verdade de sua vida na solidão e na incompreensão, sem reconhecimento, fracassando em todos os seus projetos de vida prática, conseguindo publicar apenas um livro, sem dinheiro, sem amor, sem família, sem nada, a não ser a arte e a alma. Agora já é moda citar os versos belos, elevados, sublimes, luminosos de Fernando Pessoa. Agora todos reconhecem a sua devastadora genialidade. Mas esquecem da profundidade abismal de seu lado negro. Tão vasto quanto o outro. Então, deixo abaixo 13 trechos que selecionei dessa face sombria e furiosa de Fernando Pessoa. Espero que alguém deixe tais versos como uma recepção em seu blog, ou twitter, ou orkut...

1) “Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo?
Para que havemos de ir juntos?”

2) “Falhei. Os astros seguem seu caminho.
Minha alma, outrora um universo meu,
É hoje, sei, um lúgubre escaninho...”

3) “Toda obra é vã, e vã a obra toda.”

4) “Dá-me mais vinho,
Que a vida é nada.”

5) “A vida...
Branco ou tinto é o mesmo: é para vomitar.”

6) “Tudo me cansa, mesmo o que não me cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor... Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio.”

7) “Tenho esperança? Não tenho.
Tenho vontade de a ter?
Não sei. Ignoro a que venho.
Quero dormir e esquecer.”


8) “Se te queres matar, por que não te queres matar?
(...)
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez matando-te, o conheças finalmente.”

9) “Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta. Não fazes falta a ninguém...”

10) “Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-me com a humanidade!
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio...”

11) “Verifico que, tantas vezes alegre, tantas vezes contente, estou sempre triste.
Não há sossego – e, ai de mim!, nem sequer desejo de o ter.”

12) “ A esperança, como um fósforo inda aceso,
Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso.
A falha social do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso.”

13) “Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
Achou-a em confusão,
Com a alma enganada.”

Aqui estão apenas alguns exemplos. Eu poderia deixar centenas de outros.


25 outubro 2009

e Noite e Sono e Morte

para tudo
há um dique
há um filtro
há um descanso...

a noite
é o descanso da luz:
a luz se oculta
mas ela está lá...

o sono
é o descanso do corpo:
o corpo dorme
mas permanece vivo...

a morte
é o descanso da vida:
a vida esquece de si
mas ela continua...

o Fim
é a noite completa do mundo
o sono profundo da humanidade
a morte lenta da civilização...

e após a noite
sempre surge outro dia
e depois do sono
sempre se acorda
e após a morte
sempre se renasce...

24 outubro 2009

Poética

sim, é claro...
eu poderia poetizar
a delicada ternura
das pétalas da rosa

a energia da vida
de um dia ensolarado

a tranquilidade calma
de uma verde primavera

mas isso...
tocaria o leitor?

para o tocar
poetizo a dor:
só quem sofre
conhece o valor
das pétalas da rosa
do dia ensolarado
da verde primavera

quando a pedra é muito dura
só a rompe a dinamite...

21 outubro 2009

Três Poemas Lacônicos

Palavra Genial

há palavras geniais.
uma delas é de...putado:
descaradamente
vendem corpo
alma
e lado


Yin e Yang

no meio da luz
tem um “u”
fechado
sombrio

no meio da treva
tem um “e”
aberto
bem claro


à Música

ouvir é um verbo
e o Verbo era Deus

mantras
são notas
de OMnisciências
inatas...
são notas
sonatas
sonhadas
sono
som
OM

20 outubro 2009

Nem Só de Sol Vive o Homem

a...deus...graça
nada mais nada
no mar de esperança
e tudo virou pó...ética morta
então
não venham ver-me(s)

por isso digo
que a realidade é uma ilusão
e o sonho
é sua correção:
sonha
que eu velo a teu lado
e teus pesa-dê-los a mim:
eu já estou acostumado

durante o dia
aguardo a noite
morre o sol
nasce o sonho
esse é o meu
Deusespero...

luzes?
de luas de estrelas de olhos...
acender-me lâmpadas?
não te a...trevas

(Na imagem, "Noite Estrelada", de Van Gogh)

19 outubro 2009

da Ignorância

imaginem um barco em um rio
tendo somente um homem

fizeram perguntas ao homem
e ele respondeu todas
com absoluta sinceridade:

de onde veio o barco?
não sei
para onde vai o barco?
não sei
por que estás no barco?
não sei
por que o barco está no rio?
não sei
quem fez o barco?
não sei
para que foi feito o barco?
não sei
o que fazer com o barco?
não sei
(...)

mas que absurdo!
ninguém pode ser assim tão ignorante!
(dirá o leitor)

mas eu digo:
o barco é a vida
o homem somos nós

18 outubro 2009

Poema Mau (Feito)

visão altiva
de minha viagem:
só montes
e montes
e montes
de merda:
contemplei a humanidade...
que solução pra essa gente?
poemas não servem
que quem serve é lacaio

a solução são canções ternas:
baladas...
no peito

a solução são coisas doces
uma bala...
na testa

16 outubro 2009

Três Poemetos Simples

Problema

o problema
da humanidade
é que está cheia
de nós...
cegos
sem solução

cheia de nós
cegos...


Mentira

não me falem em paz:
se as temos
é para cavar covas


da Dignidade

mil
espinhos cravados
mas nunca
uma espinha curvada

15 outubro 2009

no Vendaval

dila
serei-me
ou
vindo tua música
caos de corvos in
tensos
despeda
sou-me
teus coros vio
lentos
violetas febres
fragr
ânsias púrpuras
em teus violinos ar
dentes
en
cantos de picadas
venenos de asas
des
fizeram-me de sonhos
em espectros de ventos
sedentos
inundei-me de pianos
e fér
vida em sangue
longe
arrasei-me e nasci-me
de furacões fer
ventres

14 outubro 2009

Obras de Beethoven*


(Na imagem, Beethoven em sua juventude)

Abaixo, em pequenos comentários, deixo breves considerações sobre algumas das principais obras de Beethoven. Apenas não comento sobre a 9ª Sinfonia, pois sobre ela já o fiz de forma mais ampla em meu artigo "Beethoven e a 9ª Sinfonia", também publicado aqui no blog.

Beethoven compôs 138 obras catalogadas oficialmente, ou seja, que possuem número de opus, as quais foram publicadas durante sua vida e quase todas numeradas por ele mesmo, e 205 outras obras sem número de opus, que incluem obras transcritas para outros instrumentos, inacabadas, ou apenas descobertas após sua morte.

O número de obras-primas de Beethoven é muito grande, porém, além da Sinfonia nº9, pode-se destacar entre elas as seguinte:

Sonata Ao Luar, Opus 27 nº 2 (1801): uma das mais belas e comoventes sonatas para piano já criadas. Seu famosíssimo 1º movimento é de um clima de meditação e melancolia absoluto, contrastando com o 3º movimento, onde uma explosão de força e de fúria deixa claro que o romantismo irrompe na música através do gênio de Beethoven. Seu nome, que não foi dado por Beethoven, reflete o clima noturno e romântico do 1º movimento.

Sonata Apassionata, Opus 57 (1804): outra sonata para piano carregada das mais intensas e profundas emoções, como sugere o próprio nome. Poucas obras para piano solo carregam tão dramática, dilacerante e selvagem carga emocional e espiritual. Apenas no 2º movimento há um momento de tranquilidade e paz.

Sinfonia nº3 (Eroica), Opus 55 (1802): Essa é a obra responsável pela maior revolução na história musical. Com ela, simplesmente o movimento romântico tem seu início oficial dentro da música, em uma quebra com a tradição musical sem precedentes. O tamanho e a potência orquestral, a extensão da obra em todos os sentidos, seja pela duração, pela quantidade de instrumentos, ou pelos extremos emocionais que alcança, foi algo totalmente inusitado e não muito bem recebido pelo público da época. A obra foi considerada exagerada e barulhenta, conceito que o tempo se encarregou de extinguir. Destaque para a força incontida e clima triunfal do 1º movimento, e para a marcha fúnebre do 2º movimento, umas das páginas mais trágicas da história.

Sinfonia nº5, Opus 67 (1807): uma das obras máximas e mais famosas da literatura musical. Quem não conhece as suas assombrosas quatro notas iniciais? Tornou-se o hino de vitória dos aliados contra os nazistas na 2ª Guerra Mundial. Sua mensagem de trágica vitória, de força, de luta e de triunfo sobre a adversidade, sua grandeza absoluta, tornou a sinfonia nº 5 como um símbolo de bravura e coragem. Também é conhecida como “Sinfonia do Destino”. Constitui a consolidação do romantismo musical.

Concerto para piano e orquestra nº4, Opus 58 (1806): um dos mais belos e inspirados concertos para piano já compostos, seguindo a tradição de Mozart, porém a ampliando, tanto em duração como em recursos expressivos do piano e da orquestra. Seu sentimento de intenso lirismo e profunda espiritualidade transformou esse concerto em uma das páginas mais sublimes da música.

Missa Solemnis, Opus 123 (1823): considerada, juntamente com a 9ª Sinfonia e com seus últimos quartetos para cordas, como o testamento musical definitivo de Beethoven, a Missa Solemnis é uma das maiores obras sacras de toda a história, e talvez a mais original de todas, sendo algo absolutamente único, jamais igualado. Com mais de 80 minutos de duração, a Missa Solemnis é de uma sublimidade e espiritualidade avassaladoras, um dramático e visionário hino de força e grandiosidade aos mistérios que permeiam o cosmos, uma dilacerante viagem psíquica pela alma universal. Disse um músico contemporâneo que se Beethoven tivesse composto em sua vida apenas a Missa Solemnis já poderia ser considerado um dos maiores gênios musicais. É a composição, juntamente com a 9ª Sinfonia, de maior expressão vocal dentro da obra beethoveniana.

Quartetos para Cordas Opus 127 (1824), Opus 130 (1826), Opus 131 (1826), Opus 132 (1825), Opus 133 – Grande Fuga (1825) e Opus 135 (1826): os cinco últimos quartetos para cordas de Beethoven, mais a Grande Fuga, constituem as obras de mais difícil audição e execução do mestre de Bonn, bem como as mais misteriosas, de uma profundidade tão intensa que exigem do ouvinte uma concentração extrema. Esses quartetos parecem nos falar de regiões desconhecidas tanto dentro do homem como fora dele, um mergulho nos enigmas universais. Alternando os mais díspares estados de alma, desde espirituais alegrias até insondáveis angústias e tristezas, os últimos quartetos de Beethoven incluem-se no que há de mais expressivo em toda a literatura musical.

Outras obras: pode-se também destacar como principais obras de Beethoven, as seguintes: sinfonias nº 6 e 7, sonatas para piano Opus 13, 31 (Tempest), 53 (Waldstein) e 106(Hammerklavier), sonata para violino e piano “a Kreutzer” Opus 47, concerto para violino e orquestra Opus 61, concerto para piano nº5 (Imperador), quartetos para cordas Opus 59 (Razumovsky), trio para piano, violino e violoncelo Opus 70 (Fantasma), Ópera Fidélio Opus 72, entre outras.

*Este texto, juntamente com o artigo "Beethoven e a 9ª Sinfonia" serão publicados na revista virtual Letras com Arte, de São Paulo.

12 outubro 2009

Enxurrada

olho para a humanidade
e rio
rio que me leva
leve
em suas correntezas
sem correntes

por que devo combater
o que não deve ser combatido?
o que não deve ser combatido
não deve ser combatido
por que já está vencido
o simplesmente é deixar assim
que tudo nasce
e corre ao Fim

não digo
que não irei com a enxurrada
digo que choveu forte vasto e além
e que a enxurrada vem...

10 outubro 2009

E Todo Aquele Sangue (parte final)

(Na imagem, detalhe de "O Último Julgamento", de Hieronymus Bosch)

E em alguns canhestros e funestos dias, eu olhava para o céu e havia algo nele que não era normal... Nesses momentos, um rubro sino em desgraça reverberava por todo o azul decadente do céu. Quando digo decadente, é porque ele se avermelhava de forma lenta e implacável. E eu não sabia que vermelhidão era aquela. Quando se propagava pelo ar, o som do sino era um trovão, mas ao chegar aos meus ouvidos era um silvo sanguinolento de uma serpente escarlate.

E a serpente descia da mais alta das árvores, de um cipreste imenso e vetusto que perfurava o céu com seu cimo seco e pontiagudo. E o cipreste cortava o céu, e desse corte incurável jorrava uma tempestuosa chuva de sangue. Ela caía sobre meu pesar. E o silvo da serpente soava sangrento em meu desejo. Eu a sentia se aproximando, enroscando-se em minha perna e picando meu calcanhar. E da picada gotejava um sangue tão gélido que congelava as gotas sanguíneas da chuva.

Foi então que aves em chamas espiralizadas, aves nunca antes vistas, infelizes e devastadas, em bandos intermináveis, bicavam furiosamente, até que sangrasse todo o espaço celeste de forma definitiva. Ouvi grunhidos asfixiados do sol obscurecido por astros vermelhos. E o grunhido do sol era o retumbar do sino e o silvo da serpente. E das núpcias agourentas desses sons de morte, nasciam dos horizontes em fogo tartárico nuvens carregadas. Eram nuvens entrecortadas por veias onde eu via pulsar um sangue enfebrecido. As nuvens cresciam inexoravelmente, arrastadas com fúria por furacões ciclópicos de sopros cósmicos. E fundiam-se no centro do céu, e suas veias explodiam como no pior pesadelo. E toda a abóbada celeste tingiu-se do mais fatal vermelho de sangue. E eu queria saber por que essas coisas aconteciam comigo...

E, finalmente, em alguns canhestros e funestos dias, eu, na minha invisível solidão, saía massacrado a perambular pelas ruas de minha cidade. E diante de meus olhos ensanguentados, o desfile hediondo da civilização humana feria o mais íntimo de minha existência. Sim, eu via sangue em todos aqueles rostos, sangue que escorria de seus sorrisos de prazer, sangue que gotejava de seus olhos sem alma, sangue que brotava como orvalho de suor inútil de seus poros corrompidos.

E aqueles homens e mulheres, velhos e crianças, brancos e negros, ricos e pobres, esfaqueavam-se mutuamente contentes e diabolicamente satisfeitos. Mas não havia facas em suas mãos antes de esfaquearem-se. Porém, quando retiravam os dedos dos corpos de seus semelhantes, havia entre eles um punhal de ódio. E enquanto riam de prazer, eu observava todos os seus dentes caírem vermelhos na poeira do chão ardente.

E os prédios, casas, torres, igrejas, monumentos, tudo desmoronava infiltrado por um viscoso e ácido sangue que corroía suas estruturas. E sob as ruínas, eu contemplava milhares de corpos mutilados. Mas eles levantavam-se satisfeitos dos escombros e exibiam para que todos contemplassem os pedaços extirpados de seus organismos degradados. Enquanto isso, alguns homens corriam pelas ruas, masturbavam-se e ejaculavam sangue. E junto com eles, mulheres completamente nuas introduziam objetos não identificáveis em suas vaginas e sangravam copiosamente.

Não havia luz nos céus. Somente a luz mortiça, doentia e avermelhada de uma gigantesca lâmpada eletrônica projetada de forma macabra sobre a cidade. E ao seu redor, fervilhavam miríades de odiosas moscas, mosquitos, baratas e outros insetos que carregavam sangue enfermiço em suas patas. Então se alastrou uma música abominável. E havia nela uma risada demoníaca que me arrepiou impiedosamente. Era um deboche maligno que sangrava os ouvidos de todas as pessoas que eu avistava. E com a música odienta, um rio de sangue invadiu as ruas e arrastou com ele milhares de humanos. E naquele sangue, todos nadavam contentes, bebiam, comiam e defecavam, rindo e ostentando o ouro de seus dentes caídos, os quais eram recolhidos por entre o lixo infinito que trazia o sangue.

E todo aquele sangue era o sangue da morte do planeta. E eu... eu apenas delirava. E intuí porque essas coisas aconteciam comigo. É que existem alguns momentos em que se deve deixar o adeus para que se saiba quando a humanidade partirá para um novo destino...

09 outubro 2009

E Todo Aquele Sangue...

(Na imagem, o quadro "A Louca" de Hieronymus Bosch)

Eu não sabia por que essas coisas aconteciam comigo. Não sabia por que, em determinados dias em que a princípio não haveria nada de especial, e sem nenhum motivo aparente, o horror sangrento invadia as minhas retinas, os meus tímpanos, as minhas narinas. Eu não sabia por quê. E saber por que era o que eu mais buscava em minha vida...

Em alguns canhestros e funestos dias, diante das matas mais exuberantes, diante dos campos mais vastos, um fogo sanguinolento derramava-se como uma maldição por toda a vastidão que me defrontava. Surgiam olhos alarmantemente vermelhos nas árvores, e eles fitavam-me desesperados e gotejavam sangue. Ao longe, bem ao longe, um cavaleiro trazia uma trombeta. Sangue se derramava das patas retumbantes do cavalo de olhar sedento. Sangue se derramava dos cabelos incendiados do cavaleiro. E um trovão soou, seco, cortante. E o trovão nascia da trombeta do cavaleiro. E o seu cavalo ria. Era um riso sangrento, sangue que evaporava de seus dentes de tigre.

E um grito de morte úmido de sangue assomou-se devastador da mata. Naquele grito morriam todas as mortes. Bradavam todas as ânsias. Aquele grito lancinante de vingança obrigou-me a fechar com as mãos os meus ouvidos. E quando retirei as mãos, estavam em carne viva, sangrando copiosamente. Algo, então, atraiu minha atenção de forma ominosa. Voltei-me para trás e contemplei o fim dos horizontes. Tormentas vermelhas despencavam sobre os campos infelizes cobertos de cadáveres de milhares de animais de todas as espécies. E o seu sangue gerava rios. E os rios atingiam férvidos os meus pés. Horizontes em fim. Quentes de sangue. Soava e sangrava a trombeta. E as folhas pegajosas de sangue, do sangue vivo de todas as tragédias, caíam sobre a minha cabeça. E olhei para as árvores, e elas não tinham mais folhas, e seus olhos estavam fechados e costurados com fios de prata. E eu queria saber por que essas coisas aconteciam comigo...

E em alguns canhestros e funestos dias, diante do mar, eu via o sol em um fogo doentio e febrento cair e afundar nas águas turvas de um sangue perturbadoramente cintilante. Um anjo sanguinoso, férvido e sem misericórdia, ceifava as águas com uma espada flamígera. E toda a vida dos mares assomava irremediavelmente agonizante à superfície em violência de ciclones. E as águas dos mares eram túrgidas e convulsas de um sangue frio como um coração sem alma. E eu sentia que meu peito se abria, e dele escorria ainda mais sangue. O meu sangue de hemácias exaustas. Olhei para meu peito e vi meu coração partido. Em seguida, olhei para os mares e só pude chorar. Claro que chorei sangue. Mas era um sangue negro, um sangue repulsivo.

E novamente a trombeta soou e cortou meus tímpanos. E o cheiro de sangue da trombeta e o odor de sangue do mar ressecaram minhas narinas estertorantes. As águas do mar se abriram como o mar de Moisés, e eu vi o seu leito entristecido. E o seu leito era um abismo infinito de onde surgiam cânticos vermelhos de um inferno de desesperos. E um fogo fulvo como a guerra queimou a angústia de minhas retinas. Uma súbita lufada de medo soprou com hálito de fim e varreu sem piedade a totalidade do mar sangrento. Então me acordei. E não pude ver os esqueletos gementes que se ergueram com adagas e cortaram minha cabeça que sangrava. E eu queria saber por que essas coisas aconteciam comigo...

E em alguns canhestros e funestos dias, a noite caía mais rápido, caía pesarosa sobre meus ombros, em uma queda de vertigens que vibravam sanguinolentas nos éteres escurecidos. Pelo espaço imaculadamente negro, as estrelas expiravam asfixiadas no sangue cósmico das galáxias distantes. A lua escarlate menstruava incessantemente sobre a terra. A terra inteira ribombava com inexplicáveis explosões sanguíneas. Um laivo de sangue surgiu de súbito na escuridão e respingou em minha roupa. Eu podia sentir o gosto doce do sangue atingir a minha alma.

E um pesadelo despencou sobre minhas esperanças e as esmagou. Era um pesadelo sólido e noturno como um cometa de doença que passasse reverberando e espargisse pelo silêncio um vírus fatal por sobre a civilização. Uma moléstia em que se falecia esvaído em sangue. Vibrações de vozes fantasmais carregavam-se nos ares úmidos de sanguinosa névoa lunar. Deixavam avisos sentenciosos. Então, ferozmente, uma infinda estrada de desolação foi absurdamente construída diante de meus olhos enfebrecidos. E eu deveria segui-la. Seguir a estrada de sonhos sangrados que mergulhava na escuridão vermelha. O que reservaria aquele destino de sangue?

E quando eu caminhava sobre o pó da estrada pegajosa de sangue coagulado, ouvi na minha retaguarda passadas brutalmente rápidas que em assombro se aproximavam de minha tristeza. E ao dirigir meus olhos à escuridão que ameaçava minhas costas, lobriguei um lobo monstruoso de olhos de incêndio sangrento. Sua saliva era chamas. Mas ao cair no chão era sangue. Corri com todas as minhas forças por entre a densa e nervosa névoa sanguinolenta, porém escapar ao incêndio do lobo era impossível. E soou a tensão plangente de uma flauta sem amor por entre a lua menstruada. Aquela melodia cadenciada como morte lenta invadiu sensual e langorosa o silêncio tumultuado da noite. E uma fada escarlate em volúpias nefastas de sangue manchou minha fronte com um selo fatal. Beijou meus lábios derramando rosas. Rosas de sangue inebriadas de catastróficos venenos. Puxou-me pelo braço e, enquanto a flauta executava valsas mortais, dançamos alguma coisa extremamente perigosa. E enquanto o vermelho do amor agonizava em vapores sulforosos e chamejantes, o delírio da fatalidade escorria em sangue de meus lábios dilacerados. E eu queria saber por que essas coisas aconteciam comigo...
(Amanhã, a parte final)

08 outubro 2009

Variações sobre um Tema de Gide

“É com bons sentimentos
que se faz má literatura.”

André Gide

a Arte
é jantar à luz de raios
e vomitar à luz de velas

amar as hemácias do sangue
a te olhar na tempestade

a arte é a mais estranha rima
para o amor
é encontrar luzes onde não há-de
e sonhar a paz de tê-las
no horror

a Arte é o que resta:
não é pra acalmar-te os ânimos
é pra estragar-te a festa

Poemas do Término e Contos do Fim 36


A edição número 36 do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim foi lançada ontem, dia 07/10/09, contendo o conto "A Picada", o qual é a 4ª história da série de sete contos que estou realizando, intitulada "O Fantástico na História do RS". O 5º conto da série já foi concluído e publicado aqui no blog. No momento, estou em fase de pesquisas para a elaboração do 6º conto. A edição 36 do zine também inclui três poemas estranhos.


Meu zine literário é gratuito e distribuído em várias cidades do RS e e algumas outras do restante do Brasil, por colaboradores. Em Santiago, em breve estará em todos os costumeiros pontos de distribuição, a saber: locadoras Fox, Classic e Stop, biblioteca pública, biblioteca da Uri, Ponto Cópias e Livraria Santiago. Pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil ou exterior, mediante o pagamento das despesas de correio.


Agradeço à colaboração dos seguintes amigos na distribuição do zine em outras cidades: Luana Serafini (Santa Maria/RS), Alberto Ritter (Porto Alegre/RS), Gracieli Persich (Santo Ângelo/RS), Louise Wagner (São Leopoldo/RS), Lilene Leverdi (São Gonçalo/RJ), Héder Duarte (São Gonçalo/RJ), Agnes Mirra (Goiana/PE) e Paulo Soriano (Salvador/BA). Agradeço também ao amigo Guilhermes Damian pela excelente trabalho de design do zine.

06 outubro 2009

Não sei ser Prático

praticamente
não sei ser prático:
na vida prática
não há praticidade para mim
perdoem-me os práticos sensatos
mas eu sou assim

nem só de prático
vive o homem
a vida é além
que feijão no prato
que catar como rato
as migalhas do chão
talvez eu seja errado...
mas vocês não são?

pratico o não-prático.
que por onde pratica
o prático vê pratas
onde elas estão
já eu vejo pórticos
onde eles não hão...

a minha prática
é não ser prático:
sou só labirintos de sonhos
sem solução