30 agosto 2007

A Misteriosa Aproximação

"Furioso delírio se apossava de todos os humanos, e, com os braços rigidamente estendidos para os céus ameaçadores, todos tremiam e bradavam desesperadamente... E assim tudo se acabou."

Edgar Allan Poe

O maior erro da humanidade é o esquecimento. Esquecemos o que há de mais vital, tudo se perde nos vendavais do tempo. Como escreveu certo sábio, “Não aprendemos as lições da vida nem a canhonaços”. E se esquecemos os “canhonaços”, como lembrar de discretos sinais que parecem nos dizer tão pouco, leves insinuações do desconhecido? No entanto, tais sinais, que falando pouco dizem muito, estão constantemente presentes em nossas vidas, e, muitas vezes, nem os percebemos. E quando o fizemos, logo são completamente deixados de lado, como se por serem tão “pequenos” e passageiros não merecessem maior atenção. Assim é o ser humano, sempre desprezando o que é sutil... Mas... a que preço?

Se dispensássemos a devida atenção aos sinais, compreenderíamos, por exemplo, o porquê de na mitologia nórdica o deus supremo Wotan ter necessitado morrer enforcado em uma árvore sagrada para adquirir conhecimento, e, no cristianismo, Cristo ter necessitado morrer crucificado para finalizar sua doutrina. É claro que tais sinais são profundamente simbólicos. E com a misteriosa Aproximação não foi diferente; também se manifestou a princípio com sutis sinais bem pouco reconhecíveis, sinais enigmaticamente simbólicos.

No princípio surgiu uma estrela. Uma estrela nos céus do hemisfério sul que brilhava um pouco mais que o convencional, qualquer indivíduo que olhasse para os céus no começo da noite já perceberia o intenso e intrigante cintilar daquele incomum eastro. Porém, naturalmente, ninguém deu atenção ao fato, e tudo foi considerado como absolutamente normal. É claro que este não foi o sinal único que funestamente prenunciara a devastadora Aproximação, muitos outros ocorreram, todos igualmente imperceptíveis para a quase totalidade da humanidade, mas creio ser desnecessário mencioná-los agora.

O certo é que conforme a Aproximação se concretizava, lentamente, imensas tragédias, catástrofes, desastres, fossem eles naturais ou provocados pelo homem, foram se desencadeando, em um ritmo mais e mais acelerado. Até que em certo dia extremamente aziago para a raça humana, Ele foi visto pela primeira vez, ao longe, como um outro sol que surgia no horizonte carregado de maus-presságios. E então, todos os engodos das autoridades e dos senhores responsáveis por nossa mal fadada ciência caíram por terra. Restou tão-somente a trágica realidade dos fatos, e a Aproximação daquilo que brilhava sinistramente diante dos olhos estupefatos da humanidade doente.

A partir desse instante, o medo, o pânico, o desespero absoluto dominaram os seres humanos, compreendendo-se definitivamente que a situação era muito mais grave do que se poderia imaginar. Pior do que isso, era catastroficamente inexplicável.

À medida que a misteriosa Aproximação tornava-se mais e mais visível, gigante, ameaçadora, em todos os cantos da Terra procurava-se encontrar respostas e possíveis soluções para o que estava ocorrendo, porém, não se dava um passo a frente, talvez, só para trás. Pensou-se, por exemplo, em utilizar-se poderosíssimos artefatos nucleares para evitar-se a tragédia maior, o que se revelou um imensurável desastre. Enfim, só o que se pode afirmar é que todos os intentos e planos e invectivas do homem para se evitar o inevitável resultaram em trovejantes fracassos.

Os anos foram passando de forma arrastada e lúgubre, enquanto a humanidade afundava-se em um estado caótico de verdadeiro horror. Gradativamente, os homens foram sucumbindo em meio à mais atroz loucura coletiva já presenciada, em um desespero de se arrancar os cabelos. Descrever aqui todo o horror vivenciado naqueles dias seria algo impossível... e absurdamente cruel.

Só o que posso dizer é que a intensificação de todas as espécies de catástrofes, as mais inimagináveis, as mais absurdas, as mais devastadoras desencadearam-se na exata proporção matemática da sinistra Aproximação. Na dantesca ignorância sobre o que estava ocorrendo, compreenderam então os homens que todas as suas certezas sobre suas próprias existências não tinham mais o menor sentido, tudo se desmoronou de uma hora para outra. E a humanidade engolia em seco sua ilusória segurança da estéril racionalidade.

E o terror cósmico da Aproximação concretizou-se de forma canhestramente fantástica. O pavor reinava absoluto para onde quer que se olhasse, já que nosso céu já não era nosso céu, era outro, um monstro tenebroso. Ali estava Ele, inaceitável imensidão alienígena, em sua órbita elíptica gigantesca, em sua verdade descomunal e cíclica. Na sua esmagadora opressão atmosférica e gravitacional, todo o sangue da Terra voou pelos ares, inflamou-se ao extremo a alma planetária, e sua febre de doente terminal derramou-se como lava sobre seus filhos em negra decadência.

Era a Aproximação do Terror inominado. E toda a abóbada celeste incendiava-se em um fulvo-escarlate de um vivo e marcial vermelho enegrecido.

Mas por agora... sou um louco que não devo ser levado a sério.

18 agosto 2007

Prefiro a Morte

se a vida
é esse amontoar-se de coisas
esse arrastar-se de moedas
esse comprar-se de tudo...

se a vida
pra se dizer que se vive
é se acabar dia e noite
ao se enfurnar num emprego
pra se enganar a si mesmo
inflando a conta de cifras...

se a vida
é ter "sucesso na vida"
sem ter sentido pra nada
pra vomitar mil estresses
se viajando pra praia
se é disfarçar a miséria
de não ter nada na alma
só consumindo e comendo
e no final em marasmo
entendiar-se de tudo...

se é pôr uns filhos no mundo
pra se aguardar a desgraça
e não ter tempo pra nada
se é ser robô programado
a ser igual sempre a todos
sem questionar o que é "certo"
e sem sonhar como um louco...

se é não parar por um pássaro
se é não fitar-se uma flor
se é não sentir-se um poema
se é não olhar-se pra o céu
se é não chorar uma música
não se perder por amor...

se a vida é viver como morto
e não zombar-se da sorte...
perdoa, sensato leitor...
mas eu prefiro a morte.

12 agosto 2007

Trecho de um Texto Ocultista de Fernando Pessoa

"...Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade, subutilizando-se até chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou este mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não..."

06 agosto 2007

Cátástrofe (um poema à minha cidade)

na minha cidade
não há catástrofes:

não têm tornados
não vêm ciclones
nem furacões
não têm vulcões
nem terremotos
nem tsunamis
nem bomba atômica
enfim...

é que estão todas elas

Todas!

devastando meu peito
dentro de mim

29 julho 2007

Comentário do escritor Moacyr Ferraz

Este é um comentário deixado pelo escritor Moacyr Ferraz no site Recanto das Letras sobre o conto "O Fim Inaceitável de Cada um de Nós" (aqui postado abaixo):

"Caro Alessandro. Mais uma vez você dignifica seu posto de um dos maiores escritores do Recanto das Letras. Seu estilo de escrita, na forma de crônica em primera pessoa, é um dos mais complexos e difíceis. Consequentemente, o que menos resulta em bons contos. Mas seu talento consegue fazer de suas palavras obras de arte literária. Somente um tolo não conseguiria notar a profundidade existente em suas linhas; elas traduzem uma angústia que só um futuro grande mestre é capaz de imprimir. Parabéns por mais uma pérola!"

24 julho 2007

Poemas do Término e Contos do Fim XXV

Foi lançado dia 20/07/07 o nº25 do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim, contendo o conto "A Peste do Beijo" e os poemas "Lobo e Crepúsculo", "Ao Sono", "Soneto Ultra-romântico", "Ser", "Poema ao Frio" e "13 Versos". Em Santiago, o zine pode ser encontrado nos seguintes pontos: locadora Fox Vídeo, Locadora Classic Vídeo, Ponto Cópias, Biblioteca Municipal e Biblioteca da URI. Também é distribuído nas seguintes cidades: Santa Maria/RS, Santo Ângelo/RS, Curitiba/PR, São Gonçalo/RJ, Salvador/BA e Goina/PE. Por correio, pode ser enviado para qualquer ponto do Brasil ou exterior. O zine é gratuito.

Extraterrestres na Pintura Antiga II


Na ampliação da pintura abaixo pode-se notar que o objeto faz parte do contexto da tela. Observe a luminosidade representada pelo autor. Note também que uma pessoa observa o objeto cobrindo o rosto com as mãos, devido à luminosidade do mesmo. Ao lado da testemunha existe um cachorro em posição de alerta. Clique no título deste post para acessar o link e conferir esta tela e várias outras muito intrigantes, no mínimo.

Extraterrestres na Pintura Antiga


Existem um sem-número de pinturas antigas e arqueológicas onde ocorrem imagens de objetos voadores não-identificáveis. Uma delas é esta, "A Madonna e o Menino" (séc. XV)

Esta pintura encontra-se no Palazzo Vecchio, em Florença, Itália. A autoria deste quadro é atribuída a Fillippo Lippi. Note o estranho objeto acima do ombro de Nossa Senhora.

20 julho 2007

Ainda...

não me podem acabar...

que se macularem minha vida
com todos os erros do mundo
ainda terei o meu sangue...

que se envenenarem minha sina
com todas as sortes humanas
ainda terei minha luta...

que se sepultarem minhas obras
com todos os risos dos séculos
ainda terei minha força...

que se derramarem meu sangue
com todas as mortes da vida
ainda terei minha alma...

13 julho 2007

O Juízo Final - Hieronymus Bosch


Sombrios Versos à Luz

imortal
luz do cosmos
luz dos fogos

luz dos olhos
de quem ama
luz de chama

luz astral
luz de Goethe
quando morre

que me escorre
à luz-lágrima
de quem sonha

à luz-selvas
entre danças
e que salvas

luz em valsas
borboletas
e mães-d’águas

vaga-lumes
nessas almas
vale em noite

luz da lua
em fantasmas
que flutua

mais ao alto
luz de raios
raio em astros

sol de estrela
luz de arcanjo
com clarim

luz-além
luz vermelha...

Luz do Fim.

06 julho 2007

Soneto a Ela

E paira alta grandeza sobre as nuvens
e pesa mau destino sobre os homens.
Em negro mundo os anos se consomem
e mais clara em tua alma tu nos surges...

Caem raios das horas que refulges,
como sonhos de morte que em mim somem
como fins teus ocultos que há em Beethoven
como sombra em ti fêmea viva em luzes...

Tua voz nas tormentas que há nos céus,
teu olhar cataclísmico nos vela
nos sinais do Infinito dos teus véus...

E por ser Una, arcanamente bela,
alguém dirá talvez que vós sois Deus,
mas eu canto que vós sois no Eterno Ela...

30 junho 2007

Contradição

deixar-te-ei contemplando
o rosto claro das existências
para mergulhar pelas sombras
que mantêm vivo teu rosto
onde os olhos estão sem ver
como sol rubro que brilha
sem brilhar nas cavernosas nuvens

gotejarei meu ouvido anímico
no que jamais se ouve por cantar tão alto
que se esconde sob o transparente
no futuro avanço que há muito passou
e que volta novo para os velhos cegos

irei dedicar minha vida e mônada
para todo oculto onde vive a morte
e se ri do olho que não vê sua vida
que sustém a boca que lhe é ingrata
que vai muito longe dessa mão que alcança

nessa minha insânia que já vê o óbvio
de como é acima é abaixo como é abaixo é acima
além das faces eu conheço almas
além da terra eu vivo no cosmos

deixo-te com as certezas
da cegueira do teu Real
para alcançar verdades
nas visões de meu olho em Sonho

19 junho 2007

A Terrível Responsabilidade

Desde que principiei a publicar meus escritos, sempre abordei de forma dramática a destruição planetária e o destino da humanidade, e, muitas vezes, fui acusado de ser exageradamente apocalíptico. Agora, que a ONU divulgou seu alerta sobre a real ameaça do aquecimento global, todos parecem ter entrado no “clima de fim”. Entretanto, sempre manterei minha coerência e prosseguirei tratando de tais assuntos não por modismos, mas pelas convicções que sempre tive.

Por isso inicio este texto com as palavras de um gênio sempre coerente, Einstein: “A vida é como jogar uma bola na parede; se for jogada uma bola azul, ela voltará azul. Se a bola for jogada fraca, ela voltará fraca. Se a bola for jogada com força, ela voltará com força.” O que afirma o sábio parece ser óbvio, no entanto, não é percebido pela maioria absoluta da humanidade, que não assume a responsabilidade de seus atos. O aquecimento global é somente uma “volta da bola”. E o que de mais terrível há em tudo isso é que não podemos fugir dessa lei cósmica, esse é o verdadeiro horror que aos poucos irá tomando conta da humanidade, da mesma forma que toma conta, quase imperceptivelmente, do homem que se aproxima da morte.

Todos temos nossas responsabilidades referentes ao meio em que estamos inseridos. Por que seria diferente com relação ao cosmos? Porém, intenta-se fugir a essa responsabilidade cósmica de variadas formas: negam-na, como o imbecil que nega e ri de tudo o que desconhece e/ou não quer conhecer, enfeitam-na com um sem-número de teorias “apaziguadoras” falsamente espirituais, entram para religiões que garantam um salvador externo que tudo perdoa, ou ainda apegam-se na crença simplória e grosseira do “morreu, acabou”, isentando-se assim de qualquer responsabilidade, intentando separar-se definitivamente das leis universais, aniquilar a si próprio. Neste último caso, a única atitude existencial que não seria contraditória seria jogar-se em um leito de hedonismo e chafurdar-se nos ditos “prazeres da vida”. E é exatamente esse último caso que impera, dissimulada ou abertamente, na humanidade, e seu reflexo aí está.

O homem, consciente ou inconscientemente, sempre teme o que desconhece, e a melhor proteção contra esse temor é negá-lo ferrenhamente e abarrotar-se de teorias estéreis que procuram justificar que tudo o que não pode ser abarcado pela “segurança” de nossas mentes é absurdo, simplesmente não pode ser, não deve existir. Assim é com essa responsabilidade cósmica a que me refiro: “não a conheço, não a aceito, logo, ela não existe”. O próprio Kant genialmente chegou à conclusão que há limites para mente, que ela não pode conhecer o que está acima dela. A partir daí, outro conhecimento é necessário.

Muitos entendem como conhecimento apenas o que é mentalmente captável, intelectualizável, o que se pode conceituar, creio que devido ao fato de esse ser um conhecimento que transmite uma ilusão de segurança. Já eu não vejo assim. Entendo, por exemplo, que uma sinfonia de Beethoven, um quadro de Da Vinci, um poema de Goethe podem transmitir tanto ou mais conhecimento, através da emoção superior que fazem vibrar em nosso ser, do que todo um tratado teorizável.

Para mim, conhecimento não é sinônimo de intelectualização, pelo contrário, o verdadeiro saber não é transmissível via intelecto, por teorias, mas pela vivência do mesmo. Claro que esse é um conhecimento particular, intransferível, está acima de decodificações mentais, não depende do alcance das máquinas que o dinheiro constrói. E exatamente por isso, respeita e engrandece a liberdade humana, não dá receitas, não restringe a verdade a esta ou aquela teoria, a este ou aquele autor. Tal conhecimento apenas convida a ser vivido (como uma sinfonia convida o ouvinte a senti-la, sem explicar-se) e, assim, compartilhado. E essa responsabilidade cósmica a que me refiro insere-se nesta espécie de conhecimento, não pode ser teorizada, mas pode ser percebida por aqueles que captam através de inúmeras manifestações do saber universal, e a arte é um exemplo, o seu papel dentro da esfera maior do cosmos.


Uma responsabilidade existencial só pode ser plenamente conhecida quando se compreende que a vida não está só no que se vê vivendo, mas em todas as “teias ocultas” que tornam ela possível. Há vida em um planeta como em um átomo, porém nós, cegos, não vemos. Um outro sábio alemão, Novalis, escreveu que “O curioso é que estamos mais ligados ao invisível do que ao visível”. Contudo, a humanidade não quer saber de responsabilidades “invisíveis”, para ela, tudo já está muito claro... ou escuro como uma caverna... E, afinal, como sentenciou Dante: “nas coisas muito secretas devemos ter pouca companhia”.

04 junho 2007

Adolphe - William Bouguereau


O Ser Feminino

Mais uma vez chegara o detestável verão. No entanto, ele trazia-me um consolo: era a época em que iria para a fazenda de meus avós, o que significava ausentar-me momentaneamente do lodo da cidade. Meu estado de espírito melhorou substancialmente logo ao primeiro contato com os ares campestres, e chegando àquela antiga morada carregada de mágicas ancestralidades, esqueci quase que por completo minha lamentável existência urbana.

Após um dia inteiro passado no campo vivenciando profundas e inigualáveis sensações que somente a natureza imaculada poderia proporcionar-me, retornei quase à noite para o casarão, situado em meio a uma infinidade de árvores frutíferas. Depois de um saboroso e restaurador jantar, sentamo-nos eu e meus avós na rústica e singela sala, impregnada de arcaicas recordações da infância, onde meus avós principiaram a contar por inesquecíveis minutos as suas vetustas histórias de assombrações, fantasmas, seres monstruosos e outras aparições enigmáticas, maravilhas das experiências dos mais velhos, sempre ignoradas ou ridicularizadas pela “pós-moderníssima” civilização decadente. Mas quanto a mim, tudo isso me atrai e fascina terrivelmente... Leva-me para outro tempo e espaço, sinto-me mergulhado em outro mundo, que, naquele instante, poderia ser o da minha infância, o mundo dos sonhos ou outras dimensões sobrenaturais... E fui deitar-me sob aquele teto que exalava o cheiro do passado, entre aquelas paredes que pareciam saber de arcaicos segredos perdidos no tempo, imerso naquele ambiente denso e saturado de espectros da antigüidade, recordando-me inquieto e encantado de todos os possíveis mistérios daquelas “histórias extraordinárias”.

Na manhã seguinte, levantei-me cedo e, após um breve café, parti entusiasmado para o campo. Passadas algumas horas de lenta caminhada por uma extensa mata, penetrei em um local um tanto não-familiar, bastante diferente daqueles que já conhecia. Aquele ambiente transmitia-me, devido à sua estranheza, certo receio de avançar, mas resoluto e sedento por novas emoções, passo a passo fui adentrando mais e mais por entre aquelas sombrias e centenárias árvores. Minutos depois, pensei ter avistado, em uma clareira à frente de onde me situava, um vulto semelhante ao de uma mulher. Aproximei-me e pude divisar por entre os vastos arbustos uma belíssima jovem, de uma beleza fascinante, invulgar, assombrosa, que me impressionou no íntimo da alma. Possuía longos cabelos lisos de uma cor indefinida, ora parecendo castanhos, dourados, às vezes de um louro acinzentado e brilhante e, em outras vezes, verdadeiramente prateados. Sua pele era estranhamente branca, e seus olhos de um inadmissível azul-marinho, às vezes pendendo para o lilás. Seu rosto era absolutamente perfeito, impossível imaginar maior perfeição em uma mulher. Seu corpo apresentava formas completamente definidas e delineadas, pelo menos no que se podia discernir através do belo e simples vestido azul-celeste que trajava.

Aquela jovem angelical, bela e esquisita, colhia flores de uma árvore de floração vermelha intensa, quando, creio, ouviu o som de meus passos. Nisso, largou as flores e entrou rápida e graciosa na mata. Tentei segui-la, mas em questão de segundos desapareceu como que por encanto. Não consegui, apesar de minha insistência, encontrar nenhum sinal de para onde ela poderia ter ido, não havia vestígio de pegadas ou do que quer que fosse.

Cansado e decepcionado, resolvi retornar à fazenda. Na volta, tentava explicar a mim mesmo quem seria aquela jovem mulher tão bela, de onde viera, para onde fora. Sabia que não havia outros moradores próximos à fazenda de meus avós, e aquela mulher não poderia ter vindo de muito longe. De imediato veio-me à mente a lembrança de uma das narrações de meu avô, em que havia a aparição de belas mulheres que surgiam nas matas e desapareciam entre as águas dos rios. Disse-me ele que os antigos temiam as mesmas, pois se acreditava que elas carregavam as pessoas que delas se aproximavam para o mundo dos mortos. Seria a história mais que uma fantástica lenda? Era no que refletia... A jovem era de uma beleza realmente sobre-humana, não poderia ser normal...

No dia seguinte e nos próximos sete dias que estive no campo, saí à procura daquele esplêndido ser feminino, impossível esquecer tão prodigiosa beleza. No entanto, apesar de minhas infatigáveis buscas por pradarias e bosques, não percebi o menor indício da jovem. Porém, no último dia de minha estada na fazenda, já à tardinha e quando voltava desiludido ao casarão, ela surgiu diante de mim como uma materialização, saindo de atrás de uma enorme árvore. Olhou-me e sorriu deslumbrantemente, indicando que eu a seguisse. Fascinado e boquiaberto, não hesitei. Corri por entre a mata como um lunático, lutando para não perdê-la de vista, até que ela se deteve à beira de um fulgurante riacho. Estaquei como um demente diante de tanta ternura e beleza veneráveis e, embora cheio de dúvidas, não consegui articular uma palavra. A bela, então, com uma inefável voz de anjo, a mim dirigiu-se:

- Bem-vindo, jovem visitante. Este é meu lar. Aqui vivo com minha família há centenas de anos. Sei que tens me procurado, e como simpatizei muito contigo, decidi apresentar-me. Sou um espírito das águas, um elemental, uma ondina. Ficaria imensamente feliz se viesses sempre me visitar, és tão bonito. Por favor, diz alguma coisa, desejo tanto ouvir tua voz... Queres saber meu nome? Oh, não consegues falar! Eu já esperava. Bem, então agora, deves voltar à tua casa, para pensares melhor em mim... Vai, belo humano, mas saibas que desejo que voltes. Sim, voltarás, e hei de ouvir tua voz... Leva o meu beijo...

Após ser beijado por aquele ser etéreo, senti-me como que na presença de deusas celestiais... Porém, em segundos, e sem que eu proferisse uma única palavra, a inenarrável mulher, voando como um anjo, mergulhou nas águas cristalinas do riacho e desapareceu definitivamente de meus olhos. Nem soube seu nome. Como era quase noite, mesmo contrariado, tive que voltar à fazenda, em estado de êxtase e, simultaneamente, de uma funda e cortante tristeza. Tristeza, porque no dia seguinte deveria retornar à cidade. Quando tornaria a vê-la? Desgraçadamente, impostergáveis compromissos aguardavam-me, teria que abandonar minha amada ondina. Naquele momento detestei e amaldiçoei com todas as forças a vida comum e vulgar do homens, seus odiosos compromissos, seus empregos e trabalhos inúteis e mecanizantes, a monotonia insuportável daquela vida materialista, estressante, aniquiladora dos fundos sentimentos e da real espiritualidade.

Retornei à cidade. Passado um mês, já me era intolerável minha existência urbana. Todos os meus pensamentos e emoções dirigiam-se a um único destino: a ondina. Cada minuto vivido na cidade, desperdiçado com os assuntos corriqueiros do cotidiano, considerava como um minuto a menos que poderia ter passado ao lado dela. Estava farto de ver aquelas mesmas pessoas mesquinhas e insensíveis, que somente viviam para a inveja, para a vaidade, para a cobiça. Não tinha mais nada a dizer a nenhuma delas. Só ansiava abandoná-las para sempre, esquecê-las de forma peremptória, bani-las de minha mente, para que nela ficasse a pura e esplêndida lembrança da minha querida ondina. Não sei exatamente que espécie de fascínio, de magia, de feitiço, de maldição aquele ser feminino fez recair sobre mim, mas seja o que for, obteve pleno sucesso. Encontrava-me a ponto de largar tudo, emprego, vida social, dinheiro, bens familiares para ir ao encontro da misteriosa jovem. Cometeria qualquer loucura para sentir novamente em meus lábios aquele beijo imaterial... Não desejava outra espécie de companhia, a não ser a da estranha menina, não desejava ouvir outra voz, a não ser a sua, tão límpida e elevada como uma Paixão de Bach...

De modo que em certa manhã, tendo planejado tudo em absoluto segredo, deixei meu derradeiro adeus à vida entre os humanos e parti desvairado para a fazenda. Estava pouco ligando para o que poderiam pensar a meu respeito quando soubessem de minha partida, deixei apenas uma carta explicando que necessitei viajar, mas não mencionei meu local de destino. Na verdade, nem mesmo meus avós souberam de nada, pois me dirigi direto ao local onde fora beijado pela ondina, que não saía de meus sonhos alucinados.

Chegando lá, larguei sobre a grama as poucas coisas que trouxera, sentei-me à beira do riacho e aguardei o surgimento do belo ser. Permaneci assim durante todo dia e toda noite, sem dormir, mas ela somente concedeu a graça de sua visão no dia seguinte, próximo ao meio-dia. Desde então, nos 14 dias subseqüentes, não arredei pé do local nem por segundos, contemplando hipnotizado aquele ser magnífico, ouvindo suas miríficas canções de mágica dramaticidade, numa expressão de sonhos... No primeiro dia que a vi, minha idolatrada ondina surgiu na forma de uma intensa luminosidade azul-cintilante, para logo assumir seu comovente aspecto físico. Recebeu-me com um beijo que não saberia descrever. Em seguida, cobrou-me que ainda desejava ouvir minha voz. Satisfiz seu desejo declarando meu insignificante nome e confessando o que sentia por ela, as loucuras que cometi, meu absoluto fascínio que tem me carregado nas garras da insânia. Ela olhou-me fixamente e expressou tão terno sorriso que me transportou a esquisitas sensações oníricas...

Impossível descrever cabalmente as experiências que vivenciei naqueles dias. Conheci sua família, todos seres absurdamente belos, além de outros entes fantásticos, como as sílfides, elementais do ar, que pairavam sobre as águas do rio. Nem mesmo em meus mais febris sonhos poderia imaginar-me viver enlaçado em tão mágicos beijos e abraços... Contudo, ao final do 14º dia, a ondina soprou-me aos ouvidos:

- Em breve, os humanos virão, poluirão este rio, devastarão esta floresta, destruirão nosso imaculado lar. Devemos partir. Hoje iremos para outras regiões do universo. Tu irás conosco. Vem, dá-me tua mão.

Obedeci. E, rápidos como a luz, viajamos para ignotas regiões... Sei que, passados alguns dias, meu corpo foi encontrado à beira do riacho. A causa de minha morte foi identificada como “inanição”. Morri de fome, há duas semanas não me alimentava. Os leitores considerarão este relato absurdo. Eu considero absurdo o destino que me aguarda...

30 maio 2007

13 Versos

Trago nos olhos uma marcha fúnebre
à humanidade que caminha pútrida,
e a mão que acena de caveira esquálida
a um hino roxo de um final que é trágico.
A tua desgraça, ó mundo humano, é júbilo
pra quem de horror já traz em lava o espírito
e viu à morte os altos gênios - mártires!
que pra te erguer verteram sangue e lágrimas.
Homem acabado, sinto miasma e túmulo
pra te enterrar em teu dantesco báratro
e erguer a flâmula em teu lixo cósmico.

A ti eu deixo o meu adeus de Hercólubus
e parto só pra contemplar o Término.

Alessandro Reiffer

20 abril 2007

O Olho no Relâmpago

Acordei-me estranhamente sobressaltado. Consultei o relógio, exatamente 3h51m da madrugada. Havia sonhado com inenarráveis imagens exacerbadas, febris, em uma profunda atmosfera de iminência. Não revelarei ao leitor tais imagens. Como disse, são inenarráveis. A noite era gelada, sombria, e um vento intenso e inquietante varria os ares numa fúria insana. Mas havia algo de anormal naquele quase vendaval. O som que produzia não era tão-somente uivos e gemidos típicos do Minuano invernal, eram vozes, algumas, com características humanas. Sim, tenho certeza, posso afirmar ao leitor que nitidamente ouvi ressoar pela noite o meu nome. Alguém me chamou, era uma voz suave e etérea, melíflua, uma celestial voz feminina. E sei que provinha do vento. Mas não era a única. Outras vozes vibravam medonhas nos meus tímpanos. E estas, absurdas, hediondas, martelavam sobrenaturalmente macabras. Como disse, não eram os naturais uivos do vento. Eram lamentações deprimentes, gritos humanos e inumanos em uma língua para mim desconhecida, grunhidos infernais, cavernosos, como que oriundos de infandas cordas vocais de bestas e monstros, vociferações guturais de imundos demônios.

Levantei-me. Naturalmente, estando eu profundamente inquieto (mas não amedrontado), queria saber a origem daquelas vozes e, ainda mais, quem clamava por meu nome através do vento. Abri a janela. Para meu íntimo assombro, não havia nenhuma das características do local onde me encontrava, ou pelo menos acreditava, e tinha certeza, encontrar-me no instante em que fui dormir. Somente minha casa ainda permanecia; das restantes, simplesmente, não havia o mínimo vestígio. Sob a noite negra, meus olhos atônitos contemplavam uma planície desolada e sem fim, melancolicamente vazia, seja de construções, objetos ou seres. Porém, discerni, quebrando a insuportável monotonia uma estreita e interminável estrada cruzando a planície hedionda. Digo estrada pelo fato de que possuía uma coloração diversa do restante da planície, apresentando tons mais claros e acinzentados, enquanto as regiões que a cercavam tinham uma tonalidade escura, violácea.

Olhei para o céu. Empalideci e o sangue gelou-me nas veias, quando presenciei tão pungente horror: creio que podia “ver” o vento. Os sons demoníacos que me perturbavam originavam-se de uma hoste de espíritos, ou qualquer tipo de seres incorpóreos, imateriais, infestavam todo o espaço noturno. Não possuíam uma forma definida, constantemente metamorfoseavam-se em imagens absurdas, todas repulsivas, diabólicas, apresentando diferentes colorações, sendo a violeta, a negra e a amarela as principais. No entanto, eram cores doentias, do negativo raio do infravermelho. E aquelas... coisas eram o vento, ou estavam indissociavelmente amalgamadas a ele, pois eram elas que sopravam, erguendo enormes nuvens de poeira da terra despovoada e berrando e gemendo de maneira verdadeiramente perturbada. Pareciam também emitir uma opaca luz enfermiça, que transmitia uma sensação angustiante impossível de descrever. E eles cruzavam o céu freneticamente, formavam redemoinhos, faziam brilhar sordidamente determinados cantos do céu, em constelações infernais, em um espetáculo fantasticamente horripilante.

Não obstante tanto assombro, a voz feminina continuava invocando meu nome pela escuridão, e dela, infelizmente, ainda ignorava a origem. Intentei observar melhor entre os espíritos (ou entre o vento) com o propósito de identificar de onde ela provinha, mas foi inútil. Foi então que ao longe, no horizonte carregado, vislumbrei um imenso relâmpago, cuja luz feriu meus olhos de forma insólita, muito mais intensa e penetrante do que um raio comum, e, tudo levando a crer que a causa foi o próprio relâmpago, uma sugestão, uma estranha influência recaiu sobre minha mente... Ela impetrava-me irresistível desejo de descer até a planície, percorrer aquela trilha ominosa, imergindo-me entre os espíritos, no vendaval, até atingir o exato local do relâmpago, que de tempos em tempos repetia-se de forma absolutamente idêntica. E o fiz, desesperado, com a alma inflamada, segui como um louco o fulgor terrível e transcendental daquele relâmpago que ironizava minha sanidade...

Contudo, à medida que avançava na estrada cinzenta, o vento satânico principiou-se a acalmar, e seus entes informes, a desaparecer enigmaticamente. Considerei muito estranha tão repentina tranqüilidade. Não era a calma que sucede a tempestade, mas a que precede uma pior. Minha intuição alertou-me. Gradualmente, nas imediações da estrada, percebi formas engendrando-se das pesadas atmosferas. Eram seres humanos, às centenas, ou imagens dos mesmos. Ao meu lado direito, todos trajavam roupas de batalha, típicas da 2ª Guerra Mundial, com nefastos armamentos. Todos me olhavam sinistramente, com um ar de maligno deboche, e principiou-se uma cena aterradora de genocídio. Assassinavam-se mutuamente, com inimaginável crueldade, enquanto a mim gritavam: “Olha, esta é a humanidade, este é o homem!”; e degolavam seus rivais, arrancavam suas vísceras, metralhavam seus cérebros fazendo-os saltar aos pedaços; traziam mulheres não sei de onde e as estupravam brutalmente, mastigando seus seios e dilacerando seus órgãos genitais, enquanto seus filhos eram fuzilados diante de seus olhos ensangüentados. Com punhais extirpavam os olhos dos inimigos, injetavam-lhes venenos, arrancavam-lhes os dedos, até que, de morte em morte, restou um único soldado que se suicidou com um tiro na boca.

Já ao meu lado esquerdo, a perversidade extrema assumiu outra forma. Agora, outros homens, trazendo diversos animais, bradavam-me a fatídica sentença: “Vê, esta é a humanidade, este é o ser humano”; e iniciou-se uma sessão de tortura e assassinato de uma infinidade de animais inocentes e indefesos. Quebravam, a picaretas, os crânios de dóceis filhotes de focas, abriam o ventre de gatos vivos e extirpavam seus intestinos, indiferentes aos seus berros. Derramavam substâncias corrosivas nos olhos de coelhos, queimavam rabos e patas de cachorros imobilizados por correntes... “Basta! Basta!”, eu resmungava comigo, completamente abatido, caindo por terra quase inconsciente, mergulhado em meu próprio choro.

Creio que desmaiei por alguns minutos. Quando retomei a consciência, tudo havia cessado, e reinava um silencio sepulcral. Nem mesmo uma brisa soprava. Mas, para meu assombro, novamente refulgiu o relâmpago a poucos metros de onde eu ergui-me. Era gigantesco, porém inofensivo, pois pude verificar que o raio era unicamente luz. Aproximei-me, e a voz feérica soou, elevada, profunda, chamando por mim. O relâmpago tornou-se constante, isto é, já não era propriamente um relâmpago, mas algo como um jato de anômala luz, e a voz ordenou-me: “Posta-te debaixo do raio”. Obedeci, e ao fazê-lo, perplexo, distingui, ao alto, um titânico olho no centro da irradiação luminosa. Apresentava-se sob todas as cores do espectro do arco-íris, alternadamente, e ao seu redor abriam-se portas para ignotas regiões. Então contemplei sóis brilhando em longínquos horizontes, anjos e fadas beijando-se apaixonadas, águias cruzando os céus violáceos... E vi vaga-lumes dirigindo-se a uma áurea lua, náiades pairando sobre mares escuros, majestosas árvores gotejando orvalho... E as portas fecharam-se, enquanto o olho voltou-se para mim em grave expressão. E ressoou a voz feminina, tendo eu a definitiva sensação de que ela provinha de dentro de mim, de minha alma, como se fosse a voz da consciência... a ser ouvida e seguida por toda a eternidade.